Olho para trás e recordo a miúda traquina que, um dia, fui. Lembro-me da minha alegria nesta época do ano e da forma eufórica como decorava a árvore de natal no canto da sala. Lembro-me dos natais felizes passados na minha infância. Da roupa nova que a minha mãe comprava para eu usar nesse dia e das pantufas penduradas na chaminé. Das esperas prolongadas pelo Pai Natal e dos gritos de alegria no momento de abertura dos presentes. Lembro-me da minha avó, católica, dizer que o natal era o dia de anos do Menino Jesus e de ouvir o meu pai dizer que natal era todos os dias, porque todos os dias nasciam crianças, instaurando em mim uma dúvida que jamais desapareceria. Olho para trás. Olho para trás e tudo isso me parece demasiado longínquo.
Infelizmente, cresci. E, mais infelizmente ainda, me apercebi que não tinha sido abençoada com a “santa” ignorância. Cresci e tomei uma maior consciência do mundo, da sociedade, das pessoas. Criei uma opinião própria e desenvolvi ideais. Toda aquela magia da época natalícia se esvaiu com o passar dos anos.
Hoje passo na rua e vejo luzes cintilantes em tudo quanto é sítio. Observo as montras das lojas e lá está o Pai Natal com uns óculos de sol caríssimos ou a segurar o último modelo de telemóveis. Caminho sozinha na Baixa e sou atropelada por uma multidão de gente absurda atulhada de sacos e embrulhos coloridos. Depois mudo de direcção e encalho num miúdo a pedir esmola, num velho a dormir no chão, numa rapariga com um olho roxo. Mas, claro!, nada disso importa porque é natal! Vou passar o fim-de-semana a casa e recebo presentes de pessoas que não sabem sequer o meu nome. Vejo o meu primo de seis anos pedir à mãe um novo computador. E penso... este mundo não é normal!
O que é, afinal, isso do natal? Expliquem-me porque ainda não consegui compreender. É aquela história da tradição católica cujo significado ninguém recorda? Ou a outra, a da família toda reunida em torno da lareira? É pena que o conceito de família exista apenas na noite de 24 de dezembro, porque durante o resto do ano, todos andam demasiado ocupados com as suas vidas monótonas, rotineiras e insignificantes para se lembrarem de tal noção. E os presentes para que servem? Claro! Os presentes são utilizados para atenuar o esquecimento de que somos fruto durante os 364 dias restantes do ano. Por vezes, há ainda a distribuição de roupa velha e de um prato de sopa aos mais necessitados. Sim, porque isso é o suficiente para que sobrevivam até ao próximo natal.
Não me façam rir! Não sejamos hipócritas! Abram os olhos, esqueçam as estrelinhas fluorescentes, os Reis Magos, as renas e o Pai Natal e acordem para a vida. Abram os olhos e olhem em redor quando passam na rua, dia após dia.
Ok. Dei-vos que pensar? Ainda bem. Mas agora tenho de ir procurar algo de interessante para oferecer ao meu namorado ou ele ficará a pensar que sou uma pessoa um bocado estranha. Afinal, é natal!
Lisa