Trinta e quatro anos passados sobre a data que uns lamentam e outros celebram como o verdadeiro dia da liberdade, deixo aqui alguns relatos soltos proferidos por pessoas para quem este dia representou - como nas palavras de José Mário Branco - o estragar da festa, o fim do sonho, o equívoco pessoal e a frustração .
Sobretudo por respeito para com a generosidade que manifestaram ao partilharem comigo parte da história das suas vidas, excuso-me de revelar aqui a identidade dos intervenientes e o contexto em que estes relatos foram produzidos.
“(...) a partir do 25 de Novembro começou novamente o retrocesso e o retrocesso em muitas coisas. O retrocesso ao nível do poder de pressão sobre o Estado que as pessoas tinham, com as manifestações, as pessoas manifestavam-se e tinham uma forma de pressão sobre o governo. Com a estruturação, com todo o sistema que vem a seguir ao 25 de Novembro todas essas situações são completamente abafadas, a gente manifestar-se ou não para eles é cantiga, não interessa, é a chamada desordem pública, começa a ficar ali tudo muito bem estruturado. Começam a nível militar com as purgas que foram feitas, depois a nível político, a institucionalização dos partidos, etc e depois a nível económico foi gradualmente.”
“(...)um sonho que se teve (...) de que era possível a sociedade estar organizada de outra forma e melhor para todos e portanto e é depois desse sonho que se visionava ou que se visionou durante um período que ainda é relativamente largo. E não é só o sonho é o sonho e o vivido. (...) Quer dizer toda essa entreajuda e essa forma de poder viver em sociedade se foi lentamente diluindo, esboroando, sempre no sentido de acabar com essas ideias de que pela revolução se pode ter uma vida melhor.”
“Porque isto realmente houve aqui uma altura em que as pessoas vinham para a rua e libertavam presos, as pessoas faziam manifestações e as coisas faziam-se como os manifestantes pediam ou seja o poder tava na rua! Antes do 25 de Novembro o poder tava na rua! (...) Era uma realidade que me agradava, era próximo do Maio de 68, poder na rua, ‘a praia debaixo da calçada’, era uma coisa que me agradava na altura.”
“(...) e a sensação que se tinha, que era uma sensação realista, era que por muitos cartazes que nós colássemos, muita propaganda que fizéssemos boca a boca, de falar, conversar com as pessoas, de contactar nas empresas, aquilo tava a andar tudo para trás, tava completamente a andar tudo para trás. Portanto o processo revolucionário, o chamado PREC digamos assim, tava mesmo a andar para trás a alta velocidade e não se conseguia travar com propaganda aliás porque as organizações mais à esquerda nem sequer tinham meios económicos. Quando uma pessoa colava um cartazinho que lhe dava um trabalhão a fazer e que tinha que andar a pedir aos amigos meia dúzia de tostões para comprar o papel de cenário e as canetas ou as latas de tinta, havia partidos que recebiam dinheiro do estrangeiro, da Alemanha, dos Estados Unidos, etc, que se sabia, através das fundações ou sem ser pelas fundações. E portanto tinham uma capacidade e tinham os meios de comunicação social, e (...) uma capacidade de comunicação tão maior, tão superior que não havia hipótese (...) era só recuar, recuar, recuar.”
Zé da Lela