E eu que pensava que Salazar era rabeta - aquela cumplicidade toda com o Cerejeira, hummm - e afinal, vai-se a ver o gaijo era um fodilhão de primeira!
Pronto, lá está, não nos ensinam a história de Portugal na escola...
Ainda a propósito disto, deixo aqui um artigo da autoria de Correia da Fonseca, publicado no Avante.
António supermacho
Quando anunciada, pôde supor-se que «A Vida Privada de Salazar», mini-série da SIC, viria ser mais uma contribuição para o branqueamento da figura do ditador, na esteira do teleconcurso pretensamente plebiscitário havido há uns tempos. Logo depois, contudo, as imagens promocionais que a estação transmitiu puderam corrigir essa suspeita inicial: nelas surgiam três ou quatro meninas bonitas a exibirem os dotes naturais, havia mesmo um ou outro momento de iniciado strip tease, chegou para entendermos que o mais adequado título do produto seria «A Vida Sexual de Salazar». Percebia-se, de resto, que assim fosse: o sexo e seus derivados têm um mercado muito mais amplo e entusiástico que Salazar e a saudade dele, a SIC está aí muito mais para conquistar audiências que para estimular votos no PNR. A estes dados poder-se-ia acrescentar, sobretudo por parte de quem tem o hábito ou a obrigação de olhar para indícios menos visíveis, que argumentistas e produtor da mini-série não tinham perfil de admiradores do sujeito a quem Sophia chamou «o velho abutre». Depois, olhados os dois longos episódios que a SIC nos infligiu em serões consecutivos, ficou perfeitamente claro que aquilo era, afinal, uma chatíssima e pobre coisa de onde a imagem de Salazar não saía nem um poucochinho prestigiada. Mais justamente se diria que saía dela avacalhada, com perdão da palavra, pelo efeito de vários factores convergentes entre os quais avulta a escolha para o papel principal de Diogo Morgado, de trabalho claramente falhado seja por culpa própria seja por responsabilidade da direcção de actores, se a houve. Para mais, a caracterização que lhe foi imposta tornou-o parecido, a partir de certa altura, com uma múmia sobre quem foi aplicada uma camada de pó-de-arroz, nada apetecível de olhar e nada que se parecesse com a cabeça de Salazar nos últimos anos anteriores a 68. Apesar de tudo, mesmo com o ar sinistro que o caracterizava, o homem tinha melhor apresentação.
A falta
«A Vida Privada de Salazar» esteve longe, pois, de funcionar como peça apologética da figura do ditador: de uma ponta a outra, quase apenas vimos um sujeito beijoqueiro, derrubador de jovens que lhe acontecia poder derrubar ou em alternativa facilmente seduzido por elas, nunca atormentado por escrúpulos ou embaraçado por eventuais regras impostas pela fé cristã. Quase uma meia-dúzia de cenas de cama ou equiparáveis foram os brindes oferecidos à gula «voyeurista», mas nelas o suposto Salazar comportava-se mais como um espectador habitual dos audiovisuais deste nosso tempo que como um amante, lúbrico ou não, formado nas décadas iniciais do século passado, o que não contribuiu para tornar convincentes esses momentos. Para lá dessas breves sequências apimentadas, a narração arrastava-se muitas vezes, tanto e de tal modo que terá sido natural que o telespectador não-desistente se impacientasse e achasse que aquilo nunca mais acabava. Com tudo isso, porém, é claro que a mini-série arrastou desde sempre um pecado capital inscrito na sua própria génese: ao assumir-se como relato de vida privada, mesmo como eufemismo para de facto se ocupar da vida sexual do ditador, e ao abrigo do limite assim desenhado, omitiu o que verdadeira e unicamente interessa ao País e às gentes que o habitam: a acção de Salazar como político inegavelmente situado na área do nazifascismo europeu. Não passou ali sombra dos seus efectivos crimes (Tarrafal, cumplicidade com os crimes de Franco, condenação à fome de milhões de portugueses como contrapartida para a opulência de alguns, acção dos carrascos da PIDE, repressão cultural, muitos mais). Mesmo a fotografia de Mussolini no seu gabinete foi eliminada. Contudo, viu-se uma reconstituição pífia do aliás ingénuo atentado de 37, embora não sendo episódio da vida privada. A questão é que num caso como o de Salazar o pretenso isolamento da vida privada em relação à vida política é um artifício que pode suscitar suspeitas: sempre a omissão do crime pode ser tida como forma de cumplicidade. É certo que neste caso não parece ter havido a intenção de branqueamento, que Salazar surgiu na série mais como uma espécie de palhaço tosco que como homem superior e poderoso. Apesar disso, porém, finda a longa estopada que a mini-série foi, fica a flutuar algum mal-estar. É que, não obstante o alibi consubstanciado na abordagem circunscrita à «vida privada», a verdade é que faltou o resto. E, para os portugueses, «o resto» é que foi importante.
2 Comments:
At quinta-feira, fevereiro 12, 2009 1:20:00 da tarde, Anónimo said…
E eu que pensava que Salazar era rabeta - aquela cumplicidade toda com o Cerejeira, hummm - e afinal, vai-se a ver o gaijo era um fodilhão de primeira!
Pronto, lá está, não nos ensinam a história de Portugal na escola...
At segunda-feira, março 02, 2009 9:52:00 da manhã, Anónimo said…
Ainda a propósito disto, deixo aqui um artigo da autoria de Correia da Fonseca, publicado no Avante.
António supermacho
Quando anunciada, pôde supor-se que «A Vida Privada de Salazar», mini-série da SIC, viria ser mais uma contribuição para o branqueamento da figura do ditador, na esteira do teleconcurso pretensamente plebiscitário havido há uns tempos. Logo depois, contudo, as imagens promocionais que a estação transmitiu puderam corrigir essa suspeita inicial: nelas surgiam três ou quatro meninas bonitas a exibirem os dotes naturais, havia mesmo um ou outro momento de iniciado strip tease, chegou para entendermos que o mais adequado título do produto seria «A Vida Sexual de Salazar». Percebia-se, de resto, que assim fosse: o sexo e seus derivados têm um mercado muito mais amplo e entusiástico que Salazar e a saudade dele, a SIC está aí muito mais para conquistar audiências que para estimular votos no PNR. A estes dados poder-se-ia acrescentar, sobretudo por parte de quem tem o hábito ou a obrigação de olhar para indícios menos visíveis, que argumentistas e produtor da mini-série não tinham perfil de admiradores do sujeito a quem Sophia chamou «o velho abutre». Depois, olhados os dois longos episódios que a SIC nos infligiu em serões consecutivos, ficou perfeitamente claro que aquilo era, afinal, uma chatíssima e pobre coisa de onde a imagem de Salazar não saía nem um poucochinho prestigiada. Mais justamente se diria que saía dela avacalhada, com perdão da palavra, pelo efeito de vários factores convergentes entre os quais avulta a escolha para o papel principal de Diogo Morgado, de trabalho claramente falhado seja por culpa própria seja por responsabilidade da direcção de actores, se a houve. Para mais, a caracterização que lhe foi imposta tornou-o parecido, a partir de certa altura, com uma múmia sobre quem foi aplicada uma camada de pó-de-arroz, nada apetecível de olhar e nada que se parecesse com a cabeça de Salazar nos últimos anos anteriores a 68. Apesar de tudo, mesmo com o ar sinistro que o caracterizava, o homem tinha melhor apresentação.
A falta
«A Vida Privada de Salazar» esteve longe, pois, de funcionar como peça apologética da figura do ditador: de uma ponta a outra, quase apenas vimos um sujeito beijoqueiro, derrubador de jovens que lhe acontecia poder derrubar ou em alternativa facilmente seduzido por elas, nunca atormentado por escrúpulos ou embaraçado por eventuais regras impostas pela fé cristã. Quase uma meia-dúzia de cenas de cama ou equiparáveis foram os brindes oferecidos à gula «voyeurista», mas nelas o suposto Salazar comportava-se mais como um espectador habitual dos audiovisuais deste nosso tempo que como um amante, lúbrico ou não, formado nas décadas iniciais do século passado, o que não contribuiu para tornar convincentes esses momentos. Para lá dessas breves sequências apimentadas, a narração arrastava-se muitas vezes, tanto e de tal modo que terá sido natural que o telespectador não-desistente se impacientasse e achasse que aquilo nunca mais acabava. Com tudo isso, porém, é claro que a mini-série arrastou desde sempre um pecado capital inscrito na sua própria génese: ao assumir-se como relato de vida privada, mesmo como eufemismo para de facto se ocupar da vida sexual do ditador, e ao abrigo do limite assim desenhado, omitiu o que verdadeira e unicamente interessa ao País e às gentes que o habitam: a acção de Salazar como político inegavelmente situado na área do nazifascismo europeu. Não passou ali sombra dos seus efectivos crimes (Tarrafal, cumplicidade com os crimes de Franco, condenação à fome de milhões de portugueses como contrapartida para a opulência de alguns, acção dos carrascos da PIDE, repressão cultural, muitos mais). Mesmo a fotografia de Mussolini no seu gabinete foi eliminada. Contudo, viu-se uma reconstituição pífia do aliás ingénuo atentado de 37, embora não sendo episódio da vida privada. A questão é que num caso como o de Salazar o pretenso isolamento da vida privada em relação à vida política é um artifício que pode suscitar suspeitas: sempre a omissão do crime pode ser tida como forma de cumplicidade. É certo que neste caso não parece ter havido a intenção de branqueamento, que Salazar surgiu na série mais como uma espécie de palhaço tosco que como homem superior e poderoso. Apesar disso, porém, finda a longa estopada que a mini-série foi, fica a flutuar algum mal-estar. É que, não obstante o alibi consubstanciado na abordagem circunscrita à «vida privada», a verdade é que faltou o resto. E, para os portugueses, «o resto» é que foi importante.
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